Os empreendedores e empreendedoras possuem uma relação muito particular e única com o tempo. Por que? Pois lidam com todas as questões mais especializadas do seus serviços/produtos, bem como as gerais de administrar um negócio. Além disso, é preciso gerir o tempo disso tudo (incluindo a equipe) e gerir seu próprio tempo. Inclusive, empreendedorismo e o tempo é uma temática que tem alguns sensos comuns e que até romantizam essa relação. Por isso mesmo, viemos falar da nossa experiência com o tempo, esse “compositor de destinos, tambor de todos os ritmos”, como diria Caetano Veloso.
Para começar: um pouco do contexto atual
Vivemos nas amarras da eficiência e da produtividade demasiados, sobretudo pelo viés de competitividade. O que importa no mundo da gestão (e até do pessoal) são os resultados: uma valorização dos números, da busca da mensuração de tudo (e todos) e da criação de fórmulas prontas (geralmente, do sucesso). Somado a isso, temos a urgência das decisões e o apreço pelo imediato, deixando de lado o olhar mais profundo e sensível para o contexto, bem como o investigar e refletir.
O autor Han (2017), nesse panorama, cunhou o conceito de sociedade do desempenho e, assim, surge o sujeito do desempenho e da produtividade. Esse sujeito (que somos nós), se volta narcisicamente ao desempenho, buscando continuamente sucesso e bons resultados. A máxima do autor é que vivemos em tempos de carência da negatividade, isto é, há um exagero da positividade. Dessa forma, liberdade e coerção estão no mesmo nível, por isso, os sujeitos se auto exploram: “o explorador é ao mesmo tempo o explorado. Agressor e vítima não podem mais ser distinguidos” (HAN, 2017, p. 29).
Não possuímos mais defesa e os adoecimentos neurais são uma realidade do século XXI e resultado das “(…) manifestações patológicas dessa liberdade paradoxal” (HAN, 2017, p. 30). As doenças neurais, correspondem à depressão, transtorno de déficit de atenção com síndrome de hiperatividade (TDAH), transtorno de personalidade limítrofe (TLP) e a síndrome de Burnout (SB). Nessa linha, o autor Aubert (1994) propõe o conceito de neurose profissional, o qual atenta a explicação de casos de patologia graves que estão ligados às questões profissionais, diferentemente apenas do stress.
Como estamos lidando com o empreendedorismo e o tempo na sociedade
As teorias dos autores que apresentamos acima possuem uma visão bem crítica da realidade que estamos vivenciando na sociedade contemporânea. Mas, quando começamos a olhar nossos dia a dia, a forma como trabalhos e até como planejamos (os negócios e a vida pessoal), notamos que estamos imersos nesse universo do desempenho.
Quando adentramos para o empreendedorismo, a questão se acentua, pois os conceitos de Han representam o homem como gestor de si mesmo, aquele que tudo pode, que é livre. Quando somamos isso com a ideia do empreendedor atual, acabamos caindo em alguns pré-conceitos e percepções idealizadas sobre a realidade do empreendedorismo e o tempo.
Flexibilidade e empreendedorismo
Sim, o empreendedor possui horários mais flexíveis. Porém, depende o dia, a semana e até o mês. A rotina é diversa e, por vezes, somos pegas de surpresa por reuniões, clientes, crises e ideias. Então, a flexibilidade e adaptabilidade precisam ser potencializadas enquanto habilidades, pois você vai precisar. Mesmo planejando a semana, sempre surge algo para encaixarmos. E não estamos falando que seja algo ruim: é assim que funciona a dinâmica atual, sobretudo quando trabalhamos com comunicação, marcas e outros empreendedores.
Por outro lado, mesmo que aconteçam imprevistos na relação empreendedorismo e o tempo, precisamos aprender a nos respeitar. Compreendemos com o tempo que não adianta correr, mas adaptar e lidar da melhor forma no momento. E isso não quer dizer que você é menos dedicada ou preguiçosa, mas que sabe os seus limites e sabe demonstrar isso aos seus clientes. Cada marca e pessoa tem seu tempo, tanto em questões de trabalho, como pessoais. Sem contar, que fazer algo sem significado, simplesmente por fazer, não costuma trazer benefícios e efetividade.

Mais um pouco da rotina do empreendedor com o tempo
Como já mencionamos, a rotina é diversa. Dessa maneira, dificilmente, os dias são iguais ou o cotidiano fixo. Engana-se quem pensa que que podemos fazer o que quisermos em qualquer horário, pois além dos imprevistos, temos responsabilidades. Fora as tarefas mais específicas de cada um, tornamo-nos gestoras de um negócio, o que transcende tarefas e planejamentos prontos. Essa relação vai acontecendo e sendo sentida no dia a dia. E cada um lida com ela de uma forma única.
Nesse sentido, somos gestores das nossas tarefas, da equipe, do negócio e de nós mesmos. Por isso, há dias que trabalhamos até tarde e outros que podemos “sair” mais cedo. Também, podemos antecipar tarefas ou, às vezes, postergar algumas. Estaríamos mentindo se disséssemos que tudo acontece como previsto e que vencemos a pauta todos os dias. Isso não vai acontecer e tudo bem.
Aqui novamente, surge a questão do colocar limites. Pensamos que o problema não é trabalhar até tarde, porque isso vai acontecer. O problema é justamente quando isso acontece todos os dias, inclusive finais de semana, de forma demasiada. Quando não nos damos mais conta disso e não sabemos o momento de parar. Logo, somos engolidos pela produtividade e acabamos nos auto explorando na relação do empreendedorismo e o tempo.
Consequências do empreendedorismo e o tempo
E as consequências disso tudo? Quando observamos o cenário atual, não só do empreendedorismo, percebemos que as doenças psicológicas estão se tornando o ‘mal do século’. A auto exploração leva a nossa própria coerção e ao adoecimento mental. Dessa maneira, temos dificuldade em perceber logo que estamos nos explorando e adoecendo. A autoconsciência é o primeiro passo para podermos mudar e impor limites, respeitando nossa mente e corpos.
Como resultado dessa sociedade de desempenho, passamos a vangloriar o termo workaholic. A devoção de 100% ao trabalho nos leva a endeusar aqueles (e a nós mesmos) que vivem para trabalhar. Entretanto, a vida não é só o trabalho ou emprego. A separação entre lazer e trabalho é imprescindível para mantermos uma relação saudável entre empreendedorismo e o tempo.
Sem romantização
Outra questão que vale ressaltar, é o home office romantizado. O home office é sim uma alternativa como formato de trabalho, que possui benefícios e que pode melhorar a saúde dos empregados e gestores. Porém, também possui seus desafios e nem todo mundo consegue se adaptar de início. Novamente, deparamo-nos com o paradoxo liberdade e exploração.

O texto de hoje foi bem denso e cheio de complexidades que enfrentamos no mundo do trabalho e, sobretudo, do empreendedorismo. A nossa relação com o tempo é permeada pelo contexto econômico, social, cultural e até psicológico que estamos envoltos. Por isso, muitas vezes é difícil notar relações e atitudes tóxicas. A nossa proposta não é te colocar medo, muito pelo contrário: são realidades que enfrentamos e precisamos nos atentar a ela para buscar novas alternativas. O empreendedorismo e o tempo é uma temática que não se esgota aqui, mas o fundamental é olharmos com humanidade para o tema e não pautados em resultados excessivos.
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